sábado, 15 de março de 2014

O cara do carro pipa





É como estar em coma.
Não sei bem explicar o que se passava em minha cabeça quando pensei nisso. Moro com uma família, mas o mais estranho é que ela seja minha...
Tenho vertigens e o pior de tudo é que mal posso sentir meu corpo. Bizarro, estava eu lá, deitado, quase que sonolento, ou melhor, eu estava completamente lento, e ouvi uma voz, me chamava, e me chamava.

Que falta de sorte ser interrompido, eu estava em puro êxtase de uma quimera. Levantei e fui ver o meu formidável atropelador de trégua, e veja só... Que maravilha... Plantado lá no portão um ser que posso chamar de cidadão, apenas por que paga seus impostos, Zé Otávio, o cara do carro pipa, o “mané” que dizia que aquela água era “potável”, ou seja, para o Otávio, ( como ele é engraçado, 'uau').

Talvez eu o tratasse de maneira indiferente, porque minha irmã insistia respirar e transpirar por ele, “adolescentada” sem boa aspiração. Tenho uma curiosidade sobre ele; por que o indivíduo anda como se quisesse,  chamar atenção da moçada e depois ás deixar convictas de que jamais o possuiria?
A minha linda e inteligente irmã (assim a chamo, pois ela passa o batom e o resto da maquiagem sem borrar!) diz que o vento balouça os cabelos dele e deixa no ar um cheiro de gaveta!... Ao menos ela sabe usar boas metáforas.

Para fim de conversa, pois por um motivo torpe  terei que continuar outra; Fui até o magnífico homem  do carro pipa, e o adventício é que ele sabia o meu nome , (me pergunte como, e eu vou responder que com certeza não sei onde ele ouviu minha graça, talvez porque eu seja o famoso menino que vive trancado, “o antissocial”).

 - Pois então...
 - Oi jovem

Nossa... Como ele é velho! Dá para ver que está de frauda geriátrica, nem eu sabia que o governo aposentava por idade um homem de 26 anos, assim suponho. “Otávio o otário, mal pôde me conhecer e já veio me chamando de “pivete” ou” fedelho “...
“(...) Oi jovem (…).”

 - Em que posso ajudar? (sempre fui muito educado),
 - A sua mãe está?
 - Não... (eu queria dizer: “Não é de sua importância”)
 - Eu posso falar com sua irmã?
  … Legal, o cara além de desprovido de simpatia, ainda é pedófilo.

 - O que você quer com ela?
 - Entregar um livro,
 - Que livro?
 - O lobo da estepe. Conhece?

O cara me pareceu de pedra, de pó e de pés no chão. De fato o nosso criador criou uma boa criatura?

 - Ah...
 - Pode entregá-lo a ela? Visto que sua mãe não está, acho nada seguro que me deixe entrar.
 - Certo. Deixe que o entrego! (disse isso com os dentes quase que serrados...)

       Para falar a verdade, ás vezes minto; será que tenho paz ou impaciência?
 Devo dizer que minha sociedade são restos de papel, e por isso aquele sujeito complicado não fora de bom grado para mim, um sujeito simples, simples como restos de papéis reciclados...
Aquela menina doida, menina travessa, menina do balaio; disse querer  ler aquele livro só para tocar no alfarrábio que o cara tocara. Ela não o leu, mas eu li.

Um tempo depois...


–          Oi... Sabe me dizer se ela está gostando do livro?
–          A, sim, claro, amou… Achou bonita a capa e bom o cheiro que lá estava.
–          Cheiro?
–          É, mas isso não vem ao caso;
–          Tudo bem, só espero que você continue a fazer uma boa leitura – Disse o cara -
–          Ah sim... Obrigado! (hã? Como assim, eu não disse a ele que era eu quem estava lendo o livro! )
–          Não te disse que eu estou lendo o livro!
–          Certo! Mas é evidente que este livro não instigara sua jovem irmã, por outro lado, você me parece disposto, uma contradição, uma tentativa do meu oposto. Parece amar desafios, como pular da pedra mais alta...
Meu caro cachorro do mato, eu sei o quanto encherá teus olhos essa leitura!

Antes de sair pausou teu ar e disse ao garoto: “Donde saiu tamanha ironia cáustica?”
 E foi embora, embora o garoto quisesse que o sujeito não partisse...

–          Pronto... ( pensou o jovem) não sei bem ao certo o que ele quis dizer com toda sua filosofia... Mas sei que mudei meu conceito, mudei? Não venha você, barato leitor, a achar que estou sentindo prazer pelos cabelos voadores dele e o falso cheiro de gaveta que nele exala, aliás, será que ele tem cheiro de gaveta porque ele guarda a roupa debaixo da cama?...

  … Voltei para meu quarto e continuei a ler o livro que jurei que nunca iria acabar; claro, acabaria no dia que o rapaz do carro pipa viesse de mim o cobrar...


Lorena. C. S - SP- Barueri

27/07/2011


sábado, 1 de março de 2014

Rosas...

-Por que arrancastes as rosas?
-Para te dar, meu amor!
-Por que achas que me agrado disto? Vendo-a assim longe de seu amado solo, pareço secar, murchar...
-Me diga  linda, por qual motivo dói tanto que eu lhes entregue esse buquê?
-Se me arrancassem de você, eu sofreia, eu murcharia; se arrancam a flor do solo, ela sofre, ela mucha... Donde há poesia nisto? Acreditas em poesia viva?
- Sim, pequena rosa.
- E na poesia morta?
- Sim
- O poeta fica triste quando seu campo perde suas flores, quando suas flores perdem sua pétalas, e o que se pode fazer duma rosa sem solo, desolada?  Devemos lançar aos mortos, por que elas morreram também...
- O que poço fazer para corrigir isso?
- Me traga o solo, me traga a terra e tu  verás eu plantar a poesia...



  "{...Como um elo das almas, 
Passais do seio amante ao seio amante; 
          Lá bate a hora infausta 
Em que é força morrer; as folhas lindas 
Perdem o viço da manhã primeira, 
          As graças e o perfume. 
Rosas que sois então? – Restos perdidos, 
Folhas mortas que o tempo esquece, e espalha 
Brisa do inverno ou mão indiferente. 

          Tal é o vosso destino, 

          Ó filhas da natureza; 
          Em que vos pese à beleza, 
     Pereceis; 
          Mas, não... Se a mão de um poeta 
          Vos cultiva agora, ó rosas, 
          Mais vivas, mais jubilosas, 
                   Floresceis...}"

Machado de Assis, in 'Crisálidas'