O cara do carro pipa
É como estar em coma.
Não sei bem explicar o que se passava em minha cabeça quando pensei nisso. Moro com uma família, mas o
mais estranho é que ela seja minha...
Tenho vertigens e o pior de tudo
é que mal posso sentir meu corpo. Bizarro, estava eu lá, deitado, quase que
sonolento, ou melhor, eu estava completamente lento, e ouvi uma voz, me
chamava, e me chamava.
Que falta de sorte ser
interrompido, eu estava em puro êxtase de uma quimera. Levantei e fui ver o meu
formidável atropelador de trégua, e veja só... Que maravilha... Plantado lá no
portão um ser que posso chamar de cidadão, apenas por que paga seus impostos,
Zé Otávio, o cara do carro pipa, o “mané” que dizia que aquela água era
“potável”, ou seja, para o Otávio, ( como ele é engraçado, 'uau').
Talvez eu o tratasse de maneira
indiferente, porque minha irmã insistia respirar e transpirar por ele, “adolescentada”
sem boa aspiração. Tenho uma curiosidade sobre ele; por que o indivíduo anda
como se quisesse, chamar atenção da moçada e depois ás deixar convictas
de que jamais o possuiria?
A minha linda e inteligente irmã
(assim a chamo, pois ela passa o batom e o resto da maquiagem sem borrar!) diz
que o vento balouça os cabelos dele e deixa no ar um cheiro de gaveta!... Ao
menos ela sabe usar boas metáforas.
Para fim de conversa, pois por um
motivo torpe terei que continuar outra; Fui
até o magnífico homem do carro pipa, e o
adventício é que ele sabia o meu nome , (me pergunte como, e eu vou responder
que com certeza não sei onde ele ouviu minha graça, talvez porque eu seja o
famoso menino que vive trancado, “o antissocial”).
- Pois então...
- Oi jovem
Nossa... Como ele é velho! Dá
para ver que está de frauda geriátrica, nem eu sabia que o governo aposentava
por idade um homem de 26 anos, assim suponho. “Otávio o otário, mal pôde me
conhecer e já veio me chamando de “pivete” ou” fedelho “...
“(...) Oi jovem (…).”
- Em que posso ajudar? (sempre fui muito
educado),
- A sua mãe está?
- Não... (eu queria dizer: “Não é de sua
importância”)
- Eu posso falar com sua irmã?
… Legal, o cara além de desprovido de simpatia, ainda é pedófilo.
- O que você quer com ela?
- Entregar um livro,
- Que livro?
- O lobo da estepe. Conhece?
O cara me pareceu de pedra, de pó
e de pés no chão. De fato o nosso criador criou uma boa criatura?
- Ah...
- Pode entregá-lo a ela? Visto que sua mãe não
está, acho nada seguro que me deixe entrar.
- Certo. Deixe que o entrego! (disse isso com
os dentes quase que serrados...)
Para
falar a verdade, ás vezes minto; será que tenho paz ou impaciência?
Devo dizer que minha sociedade são restos de
papel, e por isso aquele sujeito complicado não fora de bom grado para mim, um
sujeito simples, simples como restos de papéis reciclados...
Aquela menina doida, menina
travessa, menina do balaio; disse querer
ler aquele livro só para tocar no alfarrábio que o cara tocara. Ela não
o leu, mas eu li.
Um tempo depois...
– Oi...
Sabe me dizer se ela está gostando do livro?
– A,
sim, claro, amou… Achou bonita a capa e bom o cheiro que lá estava.
– Cheiro?
– É,
mas isso não vem ao caso;
– Tudo
bem, só espero que você continue a fazer uma boa leitura – Disse o cara -
– Ah
sim... Obrigado! (hã? Como assim, eu não disse a ele que era eu quem estava
lendo o livro! )
– Não
te disse que eu estou lendo o livro!
– Certo!
Mas é evidente que este livro não instigara sua jovem irmã, por outro lado,
você me parece disposto, uma contradição, uma tentativa do meu oposto. Parece
amar desafios, como pular da pedra mais alta...
Meu caro cachorro do mato, eu sei
o quanto encherá teus olhos essa leitura!
Antes de sair
pausou teu ar e disse ao garoto: “Donde saiu tamanha ironia cáustica?”
E foi embora, embora o garoto quisesse que o
sujeito não partisse...
– Pronto...
( pensou o jovem) não sei bem ao certo o que ele quis dizer com toda sua
filosofia... Mas sei que mudei meu conceito, mudei? Não venha você, barato
leitor, a achar que estou sentindo prazer pelos cabelos voadores dele e o falso
cheiro de gaveta que nele exala, aliás, será que ele tem cheiro de gaveta
porque ele guarda a roupa debaixo da cama?...
… Voltei para meu quarto e continuei a ler o livro que jurei que nunca
iria acabar; claro, acabaria no dia que o rapaz do carro pipa viesse de mim o
cobrar...
Lorena. C. S - SP- Barueri
27/07/2011